terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Tarde

Os passarinhos meio que podiam cantar quando eu passar. Algo como uma bela melodia para se dançar num fim de tarde. Uma vitrola, chá, livros distribuídos por cores nas estantes. Ou talvez um noivado no jardim da frente com um trio sorrindo de violão na mão, salgadinhos feitos pela mãe da noiva enquanto o pai do rapaz flerta com as mulheres mais novas.
Pode ser uma espécie de churrasco no domingo, um calor tão grande que faz todo mundo ser amigo, e cada golada na cerveja acalma a alma.
Um dia cinza, um filme antigo daqueles que já passaram tanto e tando na TV, e a expectativa de chuva mantendo todos acordados na esperança de dormir ao som das gotas no telhado.
O fim de uma aula, os últimos toques e cores de um trabalho, aquele momento em que se vê claramente quem aperfeiçoa e quem só quer ir pra cantina comer uma coxinha.
Aquela reunião cansativa, que gira em círculos tão complexos que todos só se limitam a discordar ou concordar.
A expectativa de uma noite melhor, o típico sofrimento de que a tarde precisa acabar porque aí se terá o que fazer, com quem falar, ou mesmo algo melhor pra se pensar. Quem sabe um café frio, um sofá, palavras vazias na tela do computador, enquanto a agenda ao lado marca tantos compromissos sem que você queira. É a hora em que menos parece pesar o cansaço depois de um dia eterno de um trabalho qualquer, com calor, preguiça e esperança. Ou arrumar o quarto, ou escrever um texto, ou um artigo pra sempre inacabado. Ou uma falação sem tamanho.
A tarde acaba, você aí, eu aqui, e ai, é longe.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

- Nada como nadar pelado numa rede.

 ele adorava dizer isso. Mas não acho que ele tenha alguma vez feito. Na verdade eu nem mesmo sei o que significa nadar pelado numa rede, mas de qualquer forma duvido muito que ele tenha nadado pelado em qualquer lugar depois dos 5 anos de idade, pra começar. Mas aquela era meio que a sua frase, tipo um bordão jornalístico ou sei lá, o detalhe é que ele era só um cara qualquer com uma beleza padrão e uma alma ínfima. Essa, por sua vez, era a minha frase. E olha que nem sei o que a palavra ínfima significa. Mas parecia ser algo ruim, assim como ele parecia ser algo ruim pra mim quando dizia ''nada como nadar pelado numa rede''. Talvez esse pudesse ser um romance entre a garota que leu demais no Ensino Médio e o garoto que leu de menos. Mas essa parte já foi escrita muitas vezes e por mais que eu goste de ler sobre opostos que se atraem, escrever sobre eles parece um pouco sem graça de certa forma. Portanto creio que alguns parágrafos serão suficientes pra contextualizar a maldita história que pretendo conseguir tirar de algum de lugar. Voltando ao cara da rede, sendo mais provável que ele tenha tido contato com alguma rede do que nadado pelado prefiro chamá-lo assim, me apaixonei por ele, sei lá quando, sei lá como, fingi que o odiava por uns dois anos, nos pegamos escondido por uns meses e aí o amor foi grande demais pra que se pudesse evitar e assumimos um relacionamento. Três anos depois eu fiquei grávida, nove meses depois eu tive uma filha, Joane. Larguei a faculdade, arrumei um emprego, o cara da rede arrumou dois, nos casamos, alugamos uma casa pequena e fedida, juntamos dinheiro, mudamos pra uma casa pequena e cheirosa, nossa filha fez 3 anos, eu voltei pra faculdade, achei um saco, larguei de novo, fiz um curso a distância qualquer, herdei metade de um escritório de direito do meu pai e ganho dinheiro com ele enquanto meu irmão cuida de tudo. O cara da rede não quer que eu escreva um livro sobre ele. Isso é óbvio, mas ele não admite. Não sei se é medo de que eu releve meus verdadeiros sentimentos por ele, que são de puro ódio e tal, ou se é só algo sobre ter sua imagem exposta. Como se alguém se importasse com a nossa imagem. Ou com o que eu escrevo. Por isso eu não pude dar um nome para ele até agora, ele não aceita nenhuma das minhas sugestões. Todas parecem apontar para ele de alguma forma. O que ele não percebe é que o meu nome estará na capa do livro se ele algum dia sair pelo mundo e aí é evidente que todos saberão que o cara da rede é ele e todos os seus esforços serão inúteis. Às vezes tento me convencer de que isso é uma espécie de plano em que ele me desencoraja tanto que eu fico louca de raiva e por isso escrevo um lindo livro de sucesso e depois ele diz ''oh bobinha, eu só estava te incentivando'' e nós nos abraçamos e beijamos e vamos nadar pelados numa rede. Mas não, é só mais uma atitude egoísta da raça humana. Essa incrível e avançada espécie. Não faço ideia se estou usando os termos corretos. Tem que prestar atenção nisso pra se escrever um livro? Bom, há uns 7 anos atrás eu me imaginaria escrevendo um livro totalmente diferente. Ainda é tempo, é claro, porque nem ao menos sei do que esse livro irá tratar. Talvez da morte de meu pai, ou de como é difícil para uma jovem mulher criar uma filha em meio ao mundo globalizado. Eu não sei. Talvez isso funcione melhor como um conto, uma crônica ou qualquer outra coisa que não precise ter mais do que uma página. Eu estou ficando cansada de não ter um foco, de não ter uma situação incrível pra narrar. Sabe, ficar bêbado não faz com que você escreva bem. Talvez a ressaca, mas não a bebida. Não é tão legal assim ficar bêbado. No fim você só fala um monte de merda e grita e dança músicas que você não consegue dançar sóbria. Não sei se com vocês é assim, não me levem a mal, não é que eu ache ruim ficar bêbada, é só que não é essa coisa toda. Enfim, vou terminar por aqui. Mais uma tentativa fracassada de escrever algo, ou quem sabe mais um momento satisfatório de auto conhecimento através de palavras ditas a si mesmo em uma folha de papel (não que eu esteja usando uma folha de papel).

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Hi, i'm Chuck.


(esse não é um conto típico e nem mesmo algo realmente criativo, na verdade é mais uma forma de aquietar a alma após um final de história desolador)
Para Helena.

O fato é que um beijo pode ser totalmente diferente pra cada uma das pessoas que beijam. Enquanto uma reconhece o beijo e através dele alcança diversas lembranças (e supervaloriza cada uma delas), a outra metade acha divertido de uma forma meio triste tentar reconhecer o beijo e alcançar pelo menos alguma lembrança através dele. Mas isso não é estranho, não é incomum, porque o que é necessário pra um beijo, é que haja apenas alguma espécie de sentimento em comum. Que nesse caso, seria um pouco de esperança.


- Morgan, será que você pode me dar um ajudinha aqui? - o terceiro pedido de ajuda de Alex soou meio desesperado enquanto ela tentava equilibrar duas caixas e três mochilas.
Morar junto era um grande passo. As coisas ficam mais fáceis quando se ganha uma casa própria do pai da namorada, e ainda mais fáceis quando só um dos membros do casal precisa se mudar. Mas ver tudo acontecendo tão rápido estava assustando um pouco o barbudinho. E onde estava seu amigo Chuck nesse momento? Meu deus, Morgan precisava de um conselho. Casey já estava longe a essa hora, Ellie e o Incrível também, até mesmo Jeffester! A quem ele poderia recorrer...
- Filho! Vai ser um prazer te ajudar! A Buy More não resolve apenas seus problemas com a casa e o computador, mas também os conflitos que povoam o seu coração! - Big Mike tomou fôlego e deu uma mordida em sua rosquinha. - Deixe-me te contar uma coisa. Quando conheci sua mãe não tive dúvidas de que era a mulher de minha vida e morar com ela foi apenas garantir que todas as minhas noites seriam quentes e calorosas! - Morgan já começava a se arrepender de ter vindo procurar Big Mike. Mas era bom estar de volta a Buy More.


- E então? Alguma coisa? - Chuck forçou um sorriso.
- Não, Chuck. - Sara também forçou um sorriso. - Eu sinto muito. Gostaria muito de lembrar de tudo, mas mesmo as coisas de que me lembro, como Irene Demova, não sei de onde vem.
- Tudo bem. Mas você não pode me culpar por ter um pouco de esperança.
Sara sorriu. Não sabia o dizer, não sabia se deveria ficar, mas sentia que devia isso a ele. Estava na praia ao lado de uma espécie de nerd fofo que dizia amá-la mais do que qualquer outra coisa e a única coisa que conseguia sentir naquele momento era desconforto. Tinha de haver um jeito, uma forma de recuperar suas memórias. Elas tinham que estar ali em algum lugar, pelo menos algumas delas restavam e se havia mesmo chance de que a vida dela pudesse ter se tornado tudo o que Chuck dissera, então ela devia a si mesma recuperar tudo isso.


- Alô? Chuck? Preciso falar com você. Sei que você deve estar com a Sara e vocês já têm problemas suficientes.. mas eu estou enlouquecendo. Fui até o Big Mike pedir conselhos. BIG MIKE! Onde eu estava com a cabeça? Chuck, o que eu vou fazer? A Alex não merece isso. Ela não pode me ver assim. O que ela vai pensar se me ver assim? Chuck? Por que você não me atende Chuck?!
Morgan desligou o telefone, respirou fundo e entrou em casa. A primeira coisa que sentiu foi o cheiro de pizza. Isso o acalmou. Alex havia preparado um jantar para ele, queria comemorar o primeiro dia morando juntos.. devia estar esperando com um bom vinho e algumas velas.. ou então ela poderia estar jogando videogame com uma fatia de pizza na mão. E uma cerveja ao lado do prato. Desde que tenha sobrado pizza pra ele, tudo ficará bem.


A primeira sessão de regressão de Sara foi estranha. Não acreditava em psicologia, nem em hipnose, mas também não acreditava no amor e mesmo assim estava fazendo tudo isso por ele. Por uma chance de provar a si mesma que estava errada e que mesmo ela poderia amar de verdade. Conseguiu se lembrar de algumas informações técnicas, do Intersect.. mas não sentia nada. Na segunda sessão se lembrou de um final de semana quase inteiro quando já estava casada com Chuck. Parecia tudo real, sim, mas quando voltava ao lado dele continuava a estar ao lado de um estranho. Com o tempo diversas lembranças foram voltando, como se fossem coisas de anos atrás, de um tempo que não poderia mais voltar e de sentimentos que já não faziam parte dela. Ela sabia que havia amado tudo aquilo, ela sorria ao recordar, ela queria tudo de volta, mas ela não estava apaixonada por Chuck. Ela amava apenas as lembranças que conseguiu recuperar dele. Se agarrava a elas e juntava forças pra continuar.
Já haviam se passado oito meses desde que beijara Chuck na praia e o mais perto de um momento íntimo que tiveram desde então foi uma noite em que jantaram juntos na casa de Morgan e Alex. Estava pensando nisso quando percebeu o problema. Ela agora se lembrava de ter amado Chuck. Da vida deles, não de todos, mas de vários momentos felizes. Então por que não sentia vontade de estar com ele agora? Pelo mesmo motivo que as visitas dele estavam menos frequentes, as mensagens de texto eram raras e as conversas tentando se conhecer melhor não aconteciam mais. Eles haviam se afastado, haviam se importado tanto com o passado que se esqueceram do presente. Se esqueceram de passar um tempo juntos, de contar as novidades um pro outro, de ir à praia com a esperança de que tudo ficasse bem. Agora, mais do que nunca, ela sentia vontade de vê-lo. Sentia  vontade de ir ao cinema, ao shopping, viajar, visitar Ellie, jantar junto, conversar.. fazer tudo que um casal normal faz. Pois seria assim que eles se apaixonariam um pelo outro novamente, seria assim que eles voltariam a ser Chuck e Sara, ex-espiões, em uma casa branca de porta vermelha com cercas e seus nomes escritos na parede. E foi assim que voltaram. E foi assim que foram felizes para sempre como todos os telespectadores esperavam. Ou pelo menos é o que podemos desejar.