quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Os segredos do arroz

Ontem tive uma visão de que deveria esconder algo num saco de arroz. Penso que um saco de arroz, enorme como era em minha visão, é um bom lugar pra esconder uma coisa tipo uma estátua mágica que aprisiona uma garça poderosa e cruel há séculos (não é uma idéia original, baseada em fatos [quase] reais). Mas na minha visão acho que o negócio era esconder uma aliança de compromisso. O que não é tão ridículo assim. Ou é?
Seu namorado chega, seu coração bate mais forte, você dá um sorriso bobo e ele diz ''trouxe um presente!''. Um saco de arroz. Sejamos sinceros, mesmo sem saber que algo está escondido dentro do saco você vai sorrir sem graça ''poxa amor.. adorei!''. Seu namorado vai incentivar ''abre aí'' e em meio a todo aquele arroz você vai, depois de horas de procura, achar uma aliança com o nome dele escrito em itálico! Lágrimas.
Tenho completa aversão a alianças de compromisso (ainda mais com nomes em itálico). Não que eu tenha algum trauma estilo ''ganhei uma e meu namoro terminou depois de dois dias!'' ou que eu seja uma anarquista querendo preservar minha liberdade (até tenho uma queda pelo anarquismo, mas isso não vem ao caso). Só acho inútil.
Do saco de arroz eu gosto. Aquele mistério todo de esconder algo, ou de procurar algo, ou então só a simplicidade e a chatice de ser um saco de arroz. Ele existe, naquela monotonia dele.. sendo sempre assim, um saco de arroz. Uma hora cheio, logo vazio.
Então, depois de ter algo escondido dentro de si, já não é mais tão ridículo quanto antes, mas alguém sabe disso? Todos continuam pasando por ele como se fosse apenas um saco de arroz.
''OH O QUE É AQUILO?''
''ÃM? ONDE? ah. Um saco de arroz.''
E a vida continua.

Talvez esse não seja um fato inédito.. se levarmos e consideração que passo por pessoas a todo momento e raramente fico pensando o que é que elas estão escondendo de mim, de você e do mundo. E dela mesma?
Posso passar por assassinos, idiotas, mães, poetas, dançarinas de tango, muleques, contrabandistas, homofóbicos, desempregados, sapateiros ou sacos de arroz e nem perceber o que eles realmente são. Ou perceber errado. O dia inteiro, o tempo todo, e nem me importo com isso. Posso me importar agora, enquanto escrevo e penso, mas duvido que me importarei amanhã quando estiver atrasada pra aula e passar correndo por uma senhora que esconde mil coisas lindas e que poderiam ser ainda mais lindas depois que descobertas por mim.
Mas não descubro. Quase nunca descubro..
Ainda assim, a vida continua continuando (e a garça mágica presa no saco de arroz).

_

Odeio biologia. Talvez minha sobrevivência dependa do meu sistema endócrino, mas isso não me obriga a saber nada sobre ele. Está funcionando? Beleza, vamos ler poesias, construir casas ou salvar o mundo do aquecimento global. Coisas úteis de verdade.
Hormônios, não.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

conto besta de uma Coleção de ventos

De todos os tipos de ventos estranhos que colecionei, esse foi o mais gostoso. Eu não entendo muito bem porque, por mais experiente que seja com eles, os ventos, nunca analisei nada como sua origem, massas de ar e coisas desse tipo. Disso não sei absolutamente nada, mas sei senti-los mais do que sei sentir qualquer outra coisa. O que eu percebi é que a situação sempre colabora e isso torna meu hábito ainda mais bonito. Percebi porque se fosse escolher alguns pra destacar seriam dois, esse a que me referi e meu primeiro vento de verdade.
O primeiro era simples. Sítio da família, finais de semana ensolarados, minha infância e um pé de jaboticaba. Era sentar lá e sentir o vento forte no rosto, às vezes comendo da fruta direto do pé, às vezes brincando com a colher na terra, às vezes tanta coisa. Senti como o vento era bom ali e passei a querer senti-lo em todo lugar.
E passei. Tanto que me apaixonei por isso, e pelos meus filmes em que os cabelos voavam e eu podia quase sentir o vento de lá aqui. Meu sonho era o vento do trem, mas o mais perto que cheguei foi o vento do carro.
Viagens eram sinônimos de novos ventos, novos ares e mais paixões. Uma amiga me disse para anotar. Para anotar cada vento e sua descrição. Tentei, mas não dava certo, perdia horas escrevendo, tentando chegar perto da sensação do vento, e assim perdia cada brisa imperdível e ia me perdendo dentro de mim. Tiram o vício e a gente se perde, é assim.
Meu outro vento predileto foi mais complexo. A situação toda era tão maior que não dá pra entender só com minhas palavras secas.. na minha pré-adolescencia, em que eu só sabia ler pra depois sonhar com o que tinha lido, eu queria uma paixão. Queria logo um amor arrebatador, mesmo que sofrido, mesmo que platônico, mesmo que distante. Eu queria sentir o que lia, e pra isso precisava de toda alegria e dor de ter um amor.
Tentava amar tudo. Tentei vizinhos, colegas de sala, meus dois irmãos e até meu pai. Cheguei perto com um estranho de cabelos cacheados que vi no metro, mas o vi dizendo que odiava abelhas e não sei porque naquele momento fui tomada por uma adoração imensa as abelhas, não conseguindo me apaixonar por ele.
Quase que carente, desesperada por sentir, desci de bicicleta um morro enorme do meu bairro, coisa que eu fazia todos os dias. Fazia e no fim sentia junto com o vento aquele cheiro de pipoca da praça. Era minha paz. Mas num tal dia em que, por motivos desconhecidos mas com certeza muito importantes, o pipoqueiro não fez sua pipoca, eu desci. Desci e senti um vento com cheiro de nada, de criança, de árvore, de perfume vagabundo. Com cheiro da falta de cheiro de pipoca. De chão, poeira e água. Chuva, calor, gente. Senti um vento com cheiro de vento, vento puro na mistura que ele é, e me senti parte daquilo, do meio, do cheiro, do vento. Me senti parte do mundo e me senti parte do amor.
Devia ter voltado e descido o morro de novo. Mais umas cem vezes, mil. Até que virasse vento com cheiro de mim.

Quem?

'' 'Agora, Kitty, vamos pensar quem foi que sonhou tudo isso. É uma questão séria, minha querida, e vcê não devia ficar lambendo a pata desse jeito... [...] ou fui eu ou foi o Rei Vermelho. Ele fez parte do meu sonho, é claro... mas nesse caso eu fiz parte do sonho dele também! Terá sido o Rei Vermelho, Kitty? [...] me ajude a resolver isto! Tenho certeza de que sua pata pode esperar!' Mas a implicante gatinha só fez começar com a outra pata, fingindo não ter ouvido a pergunta.
Quem você pensa que sonhou?'' (Alice no País do Espelho)



Eu e a Helena sonhamos.