quarta-feira, 12 de março de 2014

Carta

No ano passado eu encontrei uma carta na porta da minha casa. Não uma conta de luz  ou um caderno de promoções do supermercado. Era um envelope branco, sem selo, sem remetente, sem nada. 
Eu moro com sete pessoas, o que faz ser bem confuso receber uma carta assim em branco. Claro que eu peguei a carta, dei uma abridinha pra ver se tinha uma pista dentro, mas não tinha nada. Das sete pessoas da casa, uma não sabe ler, então resolvi eliminá-la. Porém podia ser um desenho, o que me fez colocá-la no jogo novamente. Porém, se fosse um desenho, poderia ser para uma outra pessoa da casa, que sabe ler e adora desenhos. Depois pensei que 99% das cartas (principalmente as sem selo, sem nada) são de amor, o que eliminava duas pessoas da casa, que são casadas. Porém, grande parte dos casamentos são infelizmente infelizes, o que leva a infidelidade, portanto não seria prudente eliminar tão rápido o casal da casa. Quando subi para o quarto, encontrei com mais um dos moradores da casa, e este estava dormindo em frente ao computador, o que me fez supor que o morador havia passado toda a noite acordado jogando algum jogo que incentive o suicídio. Essa imagem somada a todo um histórico de isolamento e falta de habilidade para o convívio social, me fez ser obrigada a colocar tal morador em último lugar na minha lista de suspeitos, ou melhor, possíveis destinatários.
A minha candidata preferida não estava em casa, e como tal moradora mora no mesmo quarto que eu moro, achei que não seria problema dar uma olhada na sua cômoda, mochila e metade do guarda-roupa. Pelo menos não seria tão ruim quanto se eu abrisse a carta. Não achei nada de significativo mas descobri alguns pertences meus perdidos a algum tempo.
A investigação como um todo durou meses, parando por um tempo durante as provas finais e voltando a todo vapor no outro ano letivo. Cheguei perto várias vezes, e eliminei com convicção três dos suspeitos. Eu mesma cheguei a ser a principal possível destinatária por certo tempo, porém uma grande reviravolta chegou bem a tempo de me impedir de ler a carta e me levou novamente para o final da lista. A verdade é que esse tipo de coisa é difícil de descobrir. Às vezes não conseguia dormir pensando que o morador nerd poderia ter alguma companhia nesse momento se fosse dele a carta. Aí me consolava dizendo a mim mesma que talvez eu tivesse evitado uma traição (ou pelo menso a descoberta dela).
Em vários momentos pensei em dividir meu segredo com alguém, porém todos os moradores da casa tinham algum morador pra quem com certeza iriam contar, o que inevitavelmente acabaria com o segredo.
Cheguei a marcar reuniões com os moradores prometendo uma grande notícia, mas na hora H não tinha coragem e acabava falando que ganhei um sorteio no facebook, pra depois lamentar que o prêmio nunca chegava.
Algumas realidades são bem melhores quando ainda não são realidades, mas a hora havia chegado e era necessário abrir a carta. Desde quando a encontrei previ o risco de que a investigação se arrastasse por muito tempo, sendo assim havia a possibilidade de que a carta acabasse perdida ou esquecida. Para evitar tal fatalidade, guardei a carta na terceira gaveta do meu guarda-roupa, e anotei em meu diário que havia anotado em meu caderno que havia anotado na lista telefônica onde eu a havia deixado. Porém, no dia em que resolvi ler a carta, abri a terceira gaveta e ela não estava lá. 
Minha primeira reação, de total desespero, foi começar a procurá-la por toda parte. Mas logo recuperei a consciência e percebi que a carta só poderia estar em um lugar: nas mãos do destinatário. Pois mesmo que o morador que a achou não fosse o dono da carta, se ele lesse saberia quem era e daria um jeito de entregá-la. Se não lesse deixaria a carta ali, na terceira gaveta, ou então a levaria consigo e não sossegaria enquanto não descobrisse para quem a carta se destinava. Se fosse esse o caso, só me restava desejar a esse morador mais do que eu havia tido.
O importante é que essa história me trouxe diversos ensinamentos, além de insônia e dois ataques de pânico. Admito que foi difícil me separar da carta. Mas desde o dia que a encontrei, sem selo e sem nada, eu sabia o quão eram pequenas as chances de que fosse eu a destinada a ficar com ela. Porém, fui grata por pelo menos ter sido eu a destinada a encontrá-la.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Na verdade, essa carta era pra mim.
Só que aqui em casa tava em reforma, e não tínhamos caixa de correio, porque o muro onde ela ficava tinha sido derrubado pra fazer outro mais bonito. Daí o carteiro tinha que jogar a correspondência por baixo do portão. O problema é que quando chove, a correspondência molha.
E como a carta não era à prova d'água, pedi pra um amigo meu receber a carta em meu lugar, e me entregar. Só que como esse amigo meu estava de mudança, ele preferiu não arriscar que a carta chegasse no dia certo, no lugar errado; ou no lugar certo, só que no dia errado.
Aí esse amigo meu pediu pra uma amiga dele receber essa carta por mim, só que ela ficou sem graça de dizer que ia viajar. Aí essa amiga do meu amigo pediu o mesmo favor a uma tia, que já leva uma idade bem avançada e alguns problemas renais (mas isso nem vem ao caso).
Só que essa tia tinha uma cirurgia marcada. Mas nem era pra época de receber a carta não. Era pra dois ou três meses depois. E também nem era nos rins, era de catarata mesmo. Porém, em virtude da cirurgia, a tia ia ter que ficar um bom tempo de repouso, e ia precisar de cuidados. Daí ela teve que passar uns tempos na casa do irmão. Mas não o pai dessa sobrinha que é amiga do meu amigo (até porque, ela é tia da moça por parte de mãe), e sim um irmão por parte de pai que ela tem, fruto de uma relação extra-conjugal que o pai da tia idosa dessa amiga do meu amigo teve, no tempo que trabalhou com a implantação de uma ferrovia no Pará, que já está até desativada.
Como esse meio-irmão da tia idosa da amiga do meu amigo ia hospedá-la por uns dias depois de alguns meses, ele pegou um carro emprestado com o patrão dele pra já ir ajudando a carregar algumas coisas da meia-irmã. Aí ele se mostrou tão prestativo com a meia-irmã que quando soube da história, fez questão de receber a carta pra ela que receberia pra sobrinha, que receberia pro amigo, que receberia pra mim.
Mas ele teve que ir devolver o carro pro patrão dele (que morava num bairro longe), e pediu pro dono da banca de jornal da rua dele (que inclusive é bastante amigo dele) receber a carta.
Só que o moço da banca tinha que ir em casa pegar uns papéis do imposto de renda, e pediu a uma pessoa que ele conhecia de longa data para tomar conta da banca rapidinho, e receber a carta pra ele. Só que essa pessoa precisou usar o banheiro da padaria, e pediu pra um vizinho que estava na janela de bobeira avisar ao carteiro pra deixar a carta na casa dela, caso ela não estivesse na banca. E de quebra, pediu ao vizinho que estava na janela pra vigiar a banca também. E assim foi feito.
Coincidentemente, essa pessoa que ficou na banca do amigo do meio-irmão da tia idosa da amiga do meu amigo, mora com você.
Obrigado por receber a carta por mim, e respeitar o conteúdo!
Que mundo pequeno, esse nosso, não?